Marina morena, você se pintou?


Após meses de campanha, as pesquisas eleitorais apontavam uma vitória de Dilma no primeiro turno, e os jornais afirmavam que a candidatura de Aécio Neves, segundo colocado nas pesquisas, não conseguia responder às denúncias de envolvimento com o tráfico de cocaína em Minas Gerais e da construção de um aeroporto nas terras de um parente seu e próximo a uma de suas propriedades rurais. Por outro lado, quase fora da disputa principal, Eduardo Campos não saía dos 9% e também já começava a ter que esclarecer o emprego da sua mãe no Tribunal de Contas da União, a indicação de um primo para o TCE, órgão fiscalizador das contas do estado, além do seu envolvimento no escândalo dos precatórios de Pernambuco. Era fácil constatar que a oposição brasileira estava colocada numa sinuca de bico, no meio de um cenário internacional conturbado, de intensas disputas por fontes de energia (Ucrânia, Gaza e  também, é claro, o nosso Pré-Sal). 

Neste complexo cenário, acontece um grave acidente aéreo com vítimas fatais, entre elas o candidato Eduardo Campos. No mesmo dia, bem antes da identificação dos corpos e muito antes dos funerais, a grande mídia (de uma forma orquestrada) começa a especular sobre uma possível candidatura de Marina Silva como substituta "natural" do candidato morto. Durante o velório, algumas pessoas chegaram a esboçar a sua alegria ao fato da alteração daquele quadro político. As manchetes dos principais jornais do país passaram a gritar em alto e bom som que “o mercado (financeiro = grifo meu) vê com bons olhos a candidatura de Marina Silva”.

Aproveitando este momento de comoção nacional, a vontade de levar a eleição para um segundo turno acabou se tornando o principal assunto das análises feitas por comentaristas especialmente convidados. Para a maioria deles, Aécio não herdaria os votos de Marina e do PSB, mas Marina receberia os votos de Aécio e de todo o anti-petismo, numa provável disputa com Dilma.  Enfim, faltando poucos dias para a eleição, todos os jornais começaram a mostrar dia após dia, hora após hora, uma Marina morena sendo pintada de conservadora, como se estivesse indo para a batalha final contra Dilma e o PT. Ela, muito sábia, diz apenas que segue "uma missão" acompanhada à distância por um exército de ávidos representantes do conservadorismo brasileiro, por alguns intelectuais e por jovens desencantados com a política real (sic).

Aquele fatídico 13 de agosto acabou mudando as peças do jogo político brasileiro e deu um novo fôlego para a oposição conservadora. As manchetes (e o conhecido Instituto Data Folha) insistem em dizer que tudo está nas mãos de Marina, mas não é bem assim... Além de enfrentar uma Dilma super bem preparada, com várias realizações no currículo, ela terá que demonstrar qualidades que nunca teve, já que a sua trajetória pessoal é bastante conturbada. Lembrem que ela já foi católica, namorou com o comunismo e se tornou uma missionária evangélica. Já se desfiliou do PT, quase destruiu o PV, não conseguiu apoio suficiente para registrar A Rede e teve que se abrigar nas asas do PSB para participar das eleições de 2014. Ao mesmo tempo diz que não sobe no palanque com Geraldo Alkmin (aliado do PSB em SP) e que não quer conversa com o setor do agronegócio. Afinal, quem é essa Marina Silva de 2014?

Sem desconsiderar outros méritos de Marina, é impossível não questionar uma campanha com tantas discordâncias internas. Com quem Marina manteria os seus compromissos caso acontecerem novas manifestações sindicais e/ou de rua? Marina governaria com o PT e os movimentos sociais organizados na oposição? Será que ela desistiria do cargo, como Getúlio ou como um Jânio Quadros de saias? 

Sinceramente, eu entendo que ela está representando mais uma daquelas soluções messiânicas, que nunca deram certo no Brasil. E que, portanto, é preciso ter muita calma para descascar mais este angu com caroço. As regras da política são bem mais complexas do que estampam essas manchetes dos jornais, e o nosso país ainda precisa construir um futuro democrático através de pactos orgânicos, estado por estado (reais, e não midiáticos), que considere as classes sociais e não apenas os partidos, que aprofunde a nossa revolução democrática e que também contribua para amadurecer a nossa cultura política individual, coletiva e republicana.

Não podemos analisar essa disputa como se fosse um simples jogo de futebol, pois são vários times que entraram em campo, com interesses diversos e até conflitantes. Além dessas questões já citadas, outras são bem conhecidas e controversas: 1) A filiação de Marina ao PSB é transitória e, segundo o acordo firmado, os militantes da Rede poderão se transferir para a legenda de origem sem o risco de qualquer tipo de sanção partidária; 2) Apesar de Marina ter se tornado uma referência nacional a Rede não tem uma base orgânica para dar sustentação a um governo de maioria; 3) Na eleição de 2010, ela fez 20% dos votos e, mesmo assim, não conseguiu eleger uma bancada para o PV (eu acredito que os seus votos foram para a bancada evangélica); 4) Ela terá que assumir compromissos com a oposição conservadora para obter uma maioria.

Quem acompanha a política brasileira de perto já esperava que a oposição conservadora iria se utilizar de agressividades e de baixarias, pois todos lembramos da bolinha de papel do Serra e das “cruzadas” religiosas que sempre partem lá de São Paulo. Mas eu quero alertar que, além disso, o Brasil está no epicentro das disputas internacionais por alimentos, energia e matéria-prima (BRICs, Pré-Sal e equilíbrio da América Latina). Portanto, o que estamos assistindo, com essa especulação da tragédia, é uma tentativa midiática de quem quer nos jogar numa aventura e também não possui um projeto claro para o país (e para a maioria do povo brasileiro).