Uruguai: um lugar especial nas minhas memórias

    Era final dos anos 60: época dos Beatles, Rolling Stones, Che Guevara, Woodstock, Jimmy Hendrix, Janis Joplin e tantos outros. Ouvia-se falar na Guerra do Vietnã, mas eu não sabia que havia revoltas na França e nem imaginava que o Jean Paul Sartre e a Simone de Beauvoir existiam. Também não sentia falta da democracia pois eu me deixava "embebedar" pelos ares democráticos que sopravam lá do lado do Uruguai, onde se podia viver de um modo mais livre e espontâneo.

    Como Demian, do Herman Hesse, eu recém estava reconhecendo o mundo fora de casa. A rua e o cinema me revelavam a existência de novas paragens, novos olhares e muitas outras culturas diferentes da minha. Assim, e por morar naquela fronteira, acabei assistindo a vários filmes que não podiam passar no Brasil em função da censura durante o regime militar, como: Z, Sacco e Vanzetti, Mimi – o Metalúrgico, A Classe Operária vai ao Paraíso, O Fantasma da Liberdade, Zabriskie Point, Teorema, Amarcord, Decameron, Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, Easy Rider, A Laranja Mecânica, Tommy e O Último Tango em Paris. Além do mais, no Brasil daqueles tempos sombrios, quase todo o filme era cortado e/ou proibido para menores de 18 anos.

    Foi nesse contexto que eu também conheci a noite nas mesas dos bares da Sarandi e dos bairros mais afastados, onde era comum encontrar amigos(as) para analisar aqueles belos filmes. Assim, aos poucos foram surgindo  reflexões sobre as diferentes formas de repressão, das sexualidades, e se debatia sobre as injustiças humanas. Assim, a minha geração teve a oportunidade de lutar por justiça, elevar os seus sentidos e abrir as portas da imaginação para o infinito. 

    É preciso lembrar que esses filmes somente passaram no Brasil depois da grande crise mundial do petróleo, de 1972, e, principalmente, após o fim do regime autoritário, em 1985. Um pouco antes, com o fim da censura e com a Lei da Anistia, em 1979, eles já começavam a passar nos cinemas que ainda não haviam se transformado em igrejas evangélicas. Os militares uruguaios deram o golpe em 1973 e tudo aquilo que nos alimentava foi desaparecendo ano a ano... No final dos 70 ainda era possível comprar LPs da Janis Joplin, do Jeferson Airplane e do Santana, na Casa América e no Peppo, assim como livros de arquitetura, do Sartre e do Ernesto Sábato, os quais eu guardo com muito carinho. 

    Hoje, eu reconheço que aquelas músicas e livros foram importantes na lapidação da minha sensibilidade cultural, mas aqueles filmes foram fundamentais na minha educação para a vida... E é por isso que eles merecem um lugar especial nas minhas memórias.

     Para celebrá-los, eu publico as lembranças de Federico Fellini, em Amarcord.





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