Manifesto (quase) futurista




"Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára"
Cazuza
1. Um espectro ronda a vida das nossas organizações: é o fantasma da nova era da informação e do conhecimento. Estamos vivendo um desses raros momentos decisivos da história humana e, ao mesmo tempo, as nossas organizações estão cada vez mais dilaceradas. Sabe por que isso está acontecendo? É que a sociedade industrial está sendo substituída pela sociedade da informação e do conhecimento. Quem ainda não se atualizou em conceitos, métodos e sentimentos, não consegue se comunicar nessa nova dinâmica, que é totalmente diferenciada das velhas práticas hierárquicas industriais;

2. Neste momento, as nossas vidas estão em jogo, assim como as vidas futuras de nossos filhos, netos... Se por um lado, presenciamos a falência das antigas concepções (consciências) de organizações que aprendemos no passado, por outro continuamos sendo ameaçados por velhas manifestações racistas, homofóbicas e nacionalistas;

3. Os novos líderes estão sendo incapazes de compreender e traduzir a complexidade da vida moderna. Uma vida caracterizada pela forte presença de indivíduos mais bem informados, pelo crescimento de conquistas de direitos individuais, surgimento de redes de informação, velocidade da comunicação (televisão e internet), mas também pela dificuldade em traduzir tanta informação em novos conceitos, pela incompreensão da transversalidade dos fenômenos (complexidade), a má ocupação do tempo ocioso e pela triste proliferação de grupos de pessoas céticas, dispersas e solitárias (principalmente nas grande cidades);

4. Toda estrutura organizacional criada de forma espontânea e aparentemente natural tem levado as pessoas à descrença e ao desânimo. Em alguns casos, vimos uma burocratização dos relacionamentos afetivos e uma enorme dificuldade de comunicação, que respeite a diversidade de linguagens, de etnias, de sexualidades, de gêneros, de ideologias, de religiões, de classes sociais, etc.;

5. A maioria das alternativas surgidas ainda reproduzem os sistemas burocráticos, centralizados e tiranos, pois não possuem democracia interna. Embora o discurso dos seus "líderes" (?) fale em participação e em democracia, na prática não consegue esconder suas contradições (a teoria versus a prática);

6. Uma epidemia de fracassos organizacionais acontece porque a  maioria das pessoas ainda se baseia na concepção hierárquica da Igreja, dos exércitos, das velhas fábricas da 1ª e da 2ª revolução industrial e dos partidos centralizados;

7. A maioria dos desejos, dos sonhos e dos planos ficam apenas no papel, e acabam servindo para fins políticos de pequenos grupos. Ou melhor, como os novos "líderes" não percebem a importância da reflexão ampla e coletiva, pois acreditam cegamente nos seus pré-diagnósticos parciais, não incentivam a emancipação de sujeitos históricos conscientes. Isto é, não adotam uma práxis coletiva, transformadora e eficaz;

8. É preciso compreender que uma organização de "novo tipo", para ser eficaz, deve estar orientada por um propósito maior, que una a maioria das pessoas envolvidas e seja sedimentada por valores (princípios) democráticos radicais. Ao mesmo tempo, as pessoas envolvidas não podem ser tratadas como "objetos", mas como sujeitos de uma ação individual e coletiva;

9. Esta reflexão apareceu superficialmente no pensamento do jovem Marx, se aprofundou em Gramsci, e está presente na teoria de Max Weber sobre a importância das "burocracias". Tornou-se um dos pilares da pedagogia libertária de Paulo Freire e continuou sendo aprofundada nas obras de Norberto Bobbio, Edgar Morin, Zygmunt Bauman, Pierre Bourdieu e de Dee Hock – fundador e CEO Emérito Visa, além de outros contemporâneos. Ou seja, trata-se de uma profunda reflexão sobre o período pós-industrial, e principalmente da atual era da informação e do conhecimento;

10. Na história política, essa reflexão tomou corpo na crítica ao estalinismo, ao marxismo dogmático e ao surgimento dos estados burocráticos, e se fortaleceu no chamado Maio de 68, na França. No Brasil, chegou um pouco mais tarde, no início dos anos 80, contornando a construção do Partido dos Trabalhadores, da CUT e do MST;

11. Na verdade, trata-se de uma busca pela identificação do propósito (Para quê estamos aqui? O que queremos nos tornar?) e dos princípios (Os fins justificam os meios?) de cada organização. Mas também faz o questionamento da eficiência da estrutura organizacional adotada;

12. Portanto, é preciso traduzir a mais alta aspiração das pessoas envolvidas no processo organizativo e, ao mesmo tempo, criar diferentes e combinadas formas de organização que permitam a implementação de um determinado projeto coletivo e estratégico. As pessoas não podem estar organizadas apenas para "eleger o candidato X, Y ou Z" ou para "ganhar dinheiro". Um propósito precisa ser compartilhado e experimentado por todos, sem chavões e nem adjetivos, e juntamente com os princípios (valores), deve servir para orientar e unificar a ação dos membros da organização em projetos autônomos e convergentes (num centro estudantil, numa entidade de classe, na construção de um Partido, num comitê de campanha, num mandato parlamentar, numa empresa etc.);

13. Numa sociedade que tiver a democracia como princípio básico e universal, as organizações, os governos e o Estado precisam ser controlados permanentemente pela sociedade civil. Isso somente poderá acontecer se tivermos organizações de "novo tipo" vigilantes, com lideranças que reflitam sobre e compreendam esse novo momento da história humana;

14. Esse processo será sempre uma reflexão cheia de surpresas, de conflitos, de piadas e até de risos, pois em cada uma delas se revelarão as mais diferentes visões e contradições. Somente o tempo e a própria experiência é que deverão propiciar uma definição mais clara sobre os melhores caminhos a percorrer;

15. Mas é somente através da reflexão sobre essas experiências contraditórias que as pessoas se motivarão até se tornarem confiantes, para construir uma nova cultura e, consequentemente, os alicerces de uma nova sociedade. Agora, independentes de fetiches, de cargos e de status quo.
          Florianópolis, março de 2009

          Ricardo Almeida

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